quarta-feira, 29 de junho de 2016

ACREDITEM QUE É O QUE TENHO PARA VOS CONTAR.


Não vou maçar ninguém com a temática, já sobejamente descarnada, pois mais nada existe a acrescentar, de que os elevados valores patrimoniais nos afastam da espiritualidade (os ricos vão para o inferno) e nem sequer é pelo facto de pensar que a miséria ainda afastará muito mais - os pobre vão para o céu dizem- mas como é que alguém com a barriga vazia conseguirá sentir a sua espiritualidade? Mas tão-só e apenas porque já não aguento mais opiniões avalizadas de quem nunca sentiu.

A insubstancialidade das coisas é algo estranho que nos ultrapassa sobre que maneira, traduzindo-se num validado risco de credibilidade social qualquer tentativa, vã ou não, que se faça para descrever algo que caía fora da regularidade do que é esperado ser, o que não quer dizer necessariamente que o seja, nem tão pouco que não o é.

Eu hoje sem qualquer complexo, estou preparado para apontar o dedo e a benevolência.
O dedo a quem teima em querer validar as suas regras pessoais contra todos os demais, e a benevolência contra todos os que carregam, em ansiedade teimosa, de a necessidade de a querer negar o que não conhecem.

Pelo que sem qualquer problema consigo hoje revelar algo da minha existência espiritual, pois dei com o facto de que existem os olhos apreciativos e comunicadores celestiais dos bebés. Que olhando-nos, olhos nos olhos, nos fazem aferir a pureza da nossa alma. Eu já senti isso, duvido que mais ninguém o tenha sentido, pois somos que perscrutados nos pecados, avaliados na virtude, avaliados quanto à nossa pureza. E quando anuem acerca da nossa espiritual imaculabilidade, como que nos sopram uma brisa de conciliação que nos faz sentir que viver, só por si é um feito deslumbrante. Quando nos confrontam a alma e deslindam que esta enlameia de desvirtude, como que a açoitam com ventos de levante que nos fazem questionar a razão da existência. Fazendo-nos controverter tudo o que já fizemos e somos em grande aflijo.

Isto é uma loucura pegada eu sei, mas como sabem são as singularidades que levaram à evolução da espécie humana, assim como a de todas demais. Pelo que não me sinto o elo perdido, ou entroncado, entre um homo sapiens sapiens e um homo sapiens sapiens spiritus, sou apenas e tão só um frágil aperto de moléculas que formam em mim a carne e ossos que me carregam, que abandonadamente em solidão quanto ao crer, empiricamente sentiu a existência do prodígio.

Ou então sou eu que gosto de viver neste meu mundo, em que temos aprovação ou desaprovação dos nossos actos na procedência divina dos olhares mais puros do mundo, uma vez que os relatados os olhos não conhecem qualquer egoísmo que justifique sequer a luta pela sua própria existência, por isso são genuinamente genuínos. Limitam-se a existir e a olhar para o nosso imo. Ou então fazem-nos tão apenas crer que efetivamente o temos, o que se por si já é um grande feito.

Explicações existenciais à parte.
Que existem, existem!

Sintam-nos! Procurem-nos! Abracem-nos! Olhem-nos nos olhos! E façam-no sem qualquer receio de um qualquer processo, que converta esse são ato em um qualquer crime hediondo, porque correr riscos é uma consequência dos dias de hoje, mas quem não o corre nunca sentirá a experiência de candura que transborda dessas pequenas criaturas.


domingo, 1 de maio de 2016

The Cure – Faith

The Cure – Faith

Os iniciais Easy Cure que mais tarde deram origem aos “The Cure” são uma das bandas do chamado movimento alternativo que mais venderam até hoje. Em 2004 já registavam mais de 30 milhões de discos vendidos.

De facto ao analisarmos o volume de vendas desta banda tal como o atual movimento “indie” – basta olhar para os cartazes dos festivais, onde só constam bandas chamadas de “indie” que depressa nos apercebemos que hoje em dia é muito difícil categorizar quem é quem no contexto da música.

Mas os “The Cure” aqui e alí com elevados níveis de popularidade nunca deixaram de ser uma banda fiel à sua matriz estética, marcada por um bom gosto sem paralelo. Note-se que como banda existe pelo menos desde 1978 para nos apercebermos que são quase 40 anos de música, sem nunca se deixarem de possuir um rumo de que são eternos fieis. Robert Smith o mais popular de todos os intervenientes dos The Cure nunca se cansou de pautar a sua carreira por uma enorme criatividade, pelo que nos deixa um enorme legado de incríveis arranjos da sua enorme e valiosíssima coleção de guitarras, esplendidas linhas rítmicas (baixo e bateria) que têm sido usadas por outros colossos da música como Massive Attack, Sufjan Stevens, entre outros nomes. Enorme legado de letras e arranjos musicais também para outras bandas.

Falar da carreira dos The Cure é uma enorme epopeia que atravessa a década de 80 até aos atuais dias, pelo que eleger um melhor álbum de uma banda que tem 13 álbuns de originais e mais uns 5 álbuns ao vivo que eram pautados por profundos arranjos dos seus temas originais, é uma tarefa ingrata e que poderá até ser pautada por alguma injustiça devido a ao autor deste texto ter num determinado contexto histórico algum tipo de contacto mais profundo com este ou aquele disco.

Quando resolvi assinalar o melhor álbum de sempre dos “The Cure” como parte de um projeto que tenho em conseguir eleger os 100 melhores álbuns de sempre da “Indie”,  tive a agradável embora árdua tarefa de ouvir várias vezes em contextos diferentes todos os álbuns dos The Cure.

Depois da desinteressada mas atenta audição de todos os seus trabalhos, detive-me a minha atenção no seu terceiro álbum de originais, de seu nome Faith. Um trabalho notável, em que realço o enorme rendilhado rítmico, que ombreia o estilo da Joy Division e do seu incontornável Unknown Pleasures. Álbuns contemporâneos que têm que ser ouvidos em simultâneo de forma agarrarmos toda a estética pautada por sons “cinza – negros” destas duas enorme bandas. Note-se que no momento histórico e musical riquíssimo dos anos 80 – ouvia-se o Disco, os ABBA arrasavam com melodias simples mas eternas, estavam a entrar em ribalta o pop de melodia simples dos Duran Duram, Talking Heads criam alguns dos seus melhores temas, David Bowie pautava a criatividade e tanto outros nomes que se tornaram gigantes da música. Mas à época quem ouvia dos The Cure? Muito poucos, lembro-me de no meu bairro no inicio dos anos 80 ter um escrito numa parede – esse escrito era The Cure. O que me levou a entrar em contacto com os mesmos, descobrir suas melodiosas linhas rítmicas contagiantes e ficar viciado no mesmo, mas este pequeno-grande tesouro nunca teve no meu entender os reconhecimentos públicos que merece.

Deixo ao vosso critério ouvir o mesmo com atenção que merece, fazendo votos que o devorem com a mesma sofreguidão com que o tenho feito nos últimos tempos.

Existem álbuns intemporais – Faith é um deles, tem 36 anos e parece que foi ontem gravado.




terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Playlist

            Ela levantou-se bem cedo da cama, olhou para o espelho e disse: a próxima vez que te veja nesse estado, parto-te todos os ossos!!!
            Já não era de hoje que tinha tomado consciência da sua idade, o que ela não tinha tomado consciência era do tempo que ainda lhe restava, não porque soubesse a data em que a sua vida iria acabar, mas sabia que lhe restava pouco tempo para ter a atenção dos homens.
            Homens!!! Antigamente M.M. (a BB lá do bairro) era menina bonita, sardenta, alta, esguia, simpática, inteligente e atrevida, sabia como captar as atenções, mas ao mesmo tempo era irmã dos tempos difíceis, e lá em casa havia mais seis bocas para alimentar.
            MM não tinha roupas de marca, apenas as que fabricava com as Neu Modas já muito usadas, mas em si pareciam roupitas confeccionadas pela Ana Maravilhas.
            MM era ávida de conhecimento e aparentemente sofisticada, mas o tempo em que só em si pensava retirava-lhe o discernimento para entender as pessoas. Vivia e continua a viver apenas no seu mundo.
            MM. és linda!!!  Pensava ela todos os dias, mas MM tinha um grande problema, não se considerava bonita, não se considerava especial, aliás não se considerava de todo. Pelo que só estava bem quando lhe renovavam as suas convicções. Quando estava com o Zé, considerava-se especial, até que conheceu o Manuel. Depois conheceu o João que lhe fez renovar ainda mais as suas convicções, mas nunca tanto como o Joaquim e foi acreditando nele, até ao dia em que conheceu o Fernando, o galã mais ambicionado lá do bairro, ele seria a pessoa certa, ele seria o seu salvador.
            Fernando ao contrário de MM, não era bonito, mas sentia-se especial, especialmente desde que havia comprado, como ele dizia, uma Renault. De facto o Fernando era especial para todos, o bairro todo vibrava com as vibrações do seu veículo. Mas sempre que entrava dentro da sua viatura, Fernando sentia um intenso cheiro a terra que lhe tirava algum do pouco discernimento que já tinha para conduzir. O cheiro a terra fresca e molhada fazia-lhe lembrar seu Pai, e o ultimo desejo que este lhe havia feito. Filho, nunca venda as nossas terras!!! Elas não se fabricam mais!!! Seu pai havia herdado algumas daquelas terras, as outras foram adquiridas torrão a torrão com as suas parcas economias. Com elas conseguiu safar a fome ao seu único filho, e com o trabalho que a elas dedicava conseguiu apagar a memória de sua Mulher. Cada vez que a enxada rasgava a terra, ele sussurrava entre dentes – Cabra!!! Não te chamo puta porque és mãe do meu filho, e ainda és minha mulher e repetia o mesmo, uma vez, outra, e outra, até terminar a jornada diária. Adelaide, mulher de Ivo, pai de Fernando, havia fugido da Aldeia, diziam uns que estava em Lisboa, outros diziam que andava pela França, outros diziam até que estava morta, a verdade é que um dia Adelaide voltou da fábrica das camisas onde trabalhava para casa e nunca mais foi vista, pelo que nada mais se sabe. Não sabem eles lá na Aldeia, nem tão pouco os que estão na França, nem tão pouco as almas que preenchem os céus, mas eu posso-lhes contar, toda a verdade:


Capítulo Primeiro, ponto um – Uma homenagem a Júlio Vern(m)e – Perdoem-me o trocadilho, mas era mais forte que eu.

Adelaide mulher de Ivo e mãe de Fernando, era pessoa de bem, calada, para quem a conhecia, ela simbolizava o exemplo máximo de monotonia – trabalho – casa - trabalho; cuidava afincadamente de Ivo e Fernando satisfazendo até as suas mais desnecessárias necessidades, com o passar dos anos, parecia que havia deixado de ter vontade própria. A única coisa que Adelaide fazia fora do normal era ir à praia que banhava sua aldeia, e conversar com Neptuno sobre todos os assuntos que dois solitários podem falar, chegou mesmo aceitar um convite de seu amigo para visitar o triângulo da bermudas e só não foi porque a água gelada que lhe banhou os pés lhe lembrou que era hora de satisfazer o estômago dos homens da casa.
            Adelaide era rotineira, na Fábrica, conseguia sempre fazer o mesmo número de camisas por dia, é verdade vinte e três camisas, nunca alguém chegou perto daquele número, mesmo Marcela, a brasileira, sua rival de costura na fábrica conseguiu chegar aquele resultado, mesmo no início da sua carreira antes de ser madrasta dos filhos de seu patrão. Adelaide nunca aceitou fazer nada mais do que aquele serviço, embora várias vezes a gerência lhe tenha feito uma proposta para chefiar aquele sector da fábrica.
            Disseram-me que o que a fazia mesmo feliz era após o toque de saída, era juntar os restos das camisas e botões que sobravam e pedir à sua chefe para os levar. Uma vez Rosa, sua chefe perguntou-lhe: “ ó Adelaide!!! Já te conheço faz sete anos, todos dias levas restos de tecido e botões e, todos os dias me pedes para os levar, não te vou perguntar porquê – ela sabia que não obteria qualquer resposta – mas por favor, uma rapariga tão séria como tu não precisa de me pedir para levar, agarra e leva!!!”. Adelaide com o seu sorriso enigmático respondeu: “Obrigado Rosa, até amanhã se deus quiser!”.
            Depois de dar de jantar à família e de arrumar a casa, de deitar o seu filho e de se despedir de seu marido, que cedo dormia para no dia seguinte suar as terras. Adelaide ia para a velha adega, costurar os pequenos pedaços de tecido, e ouvir os seus discos, todos os dias, quer fizesse frio ou calor, os únicos dias que ela não ia lá à noite, era no Natal e nos aniversários dos seus homens. De resto quando lhe perguntavam o que ela queria fazer, ela respondia sempre: “ Quero ir para o meu canto, cozer os meus tecidos e ouvir os meus discos”.
            O seu marido Ivo, pai de Fernando, um dia suspeitando que aquele comportamento não era algo normal, entrou na adega velha, e viu túneis que em tempos estariam cheios de vinho, agora a transbordar de botões, e uma espécie de lençol gigante todos aos remendos, de todas as cores e formas de tecidos, todos juntos e hermeticamente costurados. Pensou “ Que estranha coisa está a minha mulher a fazer?” – sempre havia suspeitado que Adelaide não era pessoa deste mundo, a sua beleza, aliás grande beleza, era completamente aniquilada pelo seu modo de estar ausente, tal era o seu estado de espírito face ao que era tido como normal, completamente alienada deste e do outro mundo. Mas mesmo para Fernando homem que a vida havia endurecido, Adelaide era alguém especial pois nunca ouvira alguma vez alguma queixa de sua mulher, algumas vezes até questionava se alguma vez a ouvira a dizer o que quer que seja.
 Adelaide adorava ouvir musica, “estranhos sons Mãe” – repetia Fernando - quando a família vinha à cidade, Adelaide não queria comprar roupa, não queria nada para ela, com excepção dos discos, ou melhor álbuns, Adelaide nunca gostou de singles pois para ela apenas representavam um acto de sorte do artista nunca uma obra aturada. Quem a queria ver feliz era vê-la a escolher os seus discos na Valentim de Carvalho, na Rua Nova de Almada, ainda esta não tinha ardido. As senhoras que estavam no atendimento, abismavam-se com Adelaide, pelos seus pedidos, e muito mais pelo facto do seu aspecto, típico de alguém da aldeia, não condizer com seus gostos. Ela pedia sempre para ouvir cinco discos que escolhia entre os demais, claro que depois de A a Z passa-los todos a pente fino. O último que Adelaide comprou tinha sido pedido por um intelectual que não havia gostado porque, e ele nunca o confessou o porquê, na verdade achava-o demasiado alternativo. Mas para Adelaide aquele disco era uma pérola para os seus sentidos. Hummmmmmm, estarão a pensar….., que disco será? Bem, mais em frente irei partilhar um pouco da cultura musical de Adelaide com vocês, vou fazer-vos o elenco dos discos que ela tinha ou seja, vou mostrar-vos a sua Disco biografia. Mas agora vou falar-vos do último disco que Adelaide comprou, antes de se subtrair à vida de sua Aldeia, ela adquiriu “Canaxis” obra-prima de Holger Czunay e Rolf Dammers, a maior parte de vós pensará dirá: “Quem????!!!” . De facto eu próprio tive que muito penar para o encontrar, mas adianto-vos que Holger Czunay é um dos fundadores dos CAN, e que nesta soberba obra – Obrigado Adelaide!!! – ele cruza o experimental com o tradicional dá-nos a conhecer dois cantores tradicionais do Vietname que digo-vos, deixam a sua marca em quem com atenção os escuta e quer estar aberto ao mundo da música sem qualquer tipo de abnegações.
Mas continuando, Adelaide lá ia trabalhando, lá ia costurando, lá ia cuidando dos seus homens.
No dia de seu aniversário, num ano que eu não vos sei com precisão adiantar, mas algures num qualquer Fevereiro, Adelaide produziu na fábrica apenas, cinco camisas, pelo facto ao final do dia foi chamada pela direcção. Disse-lhe o seu patrão: “ Adelaide, Adelaide, quando mais precisamos de si, quando finalmente recebemos uma grande encomenda do estrangeiro, você compromete toda a produção. Adelaide não podemos permitir algo assim, você é o mau exemplo desta fábrica, você representa o que não queremos que aconteça por aqui, pelo exposto vamos ter que prescindir dos seus serviços.” Adelaide não respondeu, manteve-se tão indiferente ao que lhe disse o patrão, como havia estado no dia anterior face aos grandes elogios, pois ontem ela representava a excelência da produção, pois era a empregada que mais camisas produzia naquela fábrica, mas isso era ontem. O seu patrão perguntou-lhe então: “
- Adelaide, não merece que eu faça este reparo, pois o seu comportamento não tem perdão. Mas sente-se doente? Aconteceu-lhe alguma coisa? Não tem nada a dizer a seu favor?”
Adelaide respondeu tão baixinho que quase parecia uma resposta dada telepaticamente:
- Sr. Ferreira? Posso levar os restos dos tecidos?”
Ferreira, seu patrão disse-lhe então:
- Você não tem mesmo perdão, nem lugar nesta fábrica, pensei que ira propor-se a fazer horas extraordinárias para nos compensar da grande perca, mas nada, apenas quer mais uns restos, Leve os seus restos e desapareça!!!”
Adelaide levou os restos das cinco camisas que havia produzido e saiu, impável e serena como nos outros dias anteriores, mas com uma grande diferença, naquele dia andava bem mais depressa, depressa demais diria até, para quem não tinha em casa os seus homens, pois haviam partido na véspera e só voltavam no domingo, eles haviam aproveitado a semana do Carnaval para se deslocarem às feiras para Ivo vender os seus produtos.
Adelaide saiu da fábrica, suas Colegas apercebendo-se do sucedido, esperavam por si, algumas choravam, outras fingiam que o faziam, algumas já haviam telefonado para a amiga que tinha uma filha em idade de se empregar, mas a pergunta de todas era a mesma:
-Adelaide o que vais fazer agora???? O que vai ser da tua vida????
Adelaide face às perguntas, juram-me que isto é verdade, chupou o dedo indicador da mão direita, levantou-o em direcção ao céu e sorriu. De seguida virou suas costas e seguiu em direcção a sua casa.
Quando chegou a sua casa esperava-a na porta da entrada de sua casa um enorme bolo de aniversário que ela havia encomendado, ela retirou o bolo da caixa protectora e colocou-o sobre a mesa, ao lado do gira-discos, antes de acender as velas, colocou a tocar uma faixa de um disco que adorava: “Vénus e Furs” dos Velvet Underground and Nico, acendeu as velas, deixou a musica acabar, e apagou-as num só sopro.
Voltou a colocar o bolo dentro da caixa e esta no frigorífico. Sim, o bolo ao que me contaram estava intacto, o único sinal que tinha que havia sido utilizado era o facto de ter as velas, já ardidas, colocadas nele.
Seguidamente Adelaide vestiu uma samarra de pele grossa, colocou um chapéu também em pele mas com abas, semelhante aqueles que os Sovietes usam no Inverno, e deslocou-se para a Adega.
Na porta da Adega ao olhar para umas quantas bilhas de gás compridas proferiu a seguinte frase:
-Não faltaram ao prometido!!!”.
De pronto entrou dentro da Adega e começou a costurar os restos de tecido que havia trazido da fábrica, passado pouco tempo disse em voz alta:
- Afinal bastavam-me ter costurado somente três camisas, se eu soubesse!!! – Mas bem, levo comigo estes restos nunca se sabe se podem fazer falta!!!”
Passados poucos minutos colocou o artefacto, que tantas noites de descanso lhe roubaram a sua produção, num carrinho de mão e trouxe-o para fora da adega. Uma vez cá fora olhou para o céu que começava a revelar mais uma fria e estrelada noite de Fevereiro, e pensou: “ Falta pouco”. Adelaide retirou o artefacto do carrinho e esticou-o no seu quintal, que já na antevéspera havia sido despejado de todos os objectos que pudessem complicar a sua tarefa. Depois retirou da adega umas latas de resina celulosa de secagem ultra rápida e com uma trincha começou a espalhar este sobre a construção de retalhos que, morosamente, havia elaborado. Enquanto espalhava a resina olhava para os restos de tecidos costurados, e cada um deles fazia-lhe lembrar uma determinada data ou acontecimento, pois eles para ela traziam-lhe memórias, pois eram de colecções diferentes, de anos diferentes, era como que uma rocha estruturada em camadas, em que cada camada representa um período da história do nosso mundo, mas neste caso cada bocado era um pouco de si que ali estava. De facto o artefacto que havia fabricado não era mais do que a representação exacta da sua vida, uma enorme manta de retalhos.
Após aplicar e deixar secar a resina, Adelaide foi novamente à adega, desta feita, também com a preciosa ajuda do carrinho de mão de seu marido, carregou uma enorme cesta em verga que prontamente atou à sua construção. De seguida ainda com ajuda do carrinho, que nesta altura se mostrou o seu maior aliado, Adelaide, deslocou as bilhas para junto da sua construção. Seguidamente colocou uma mangueira no bocal de uma das bilhas, e a outra extremidade da mangueira dentro de um orifício que estava preparado para o efeito na sua “manta”. Abriu a torneira da bilha e deixou o gás fluir para dentro dela, esta em resultado de estar hermeticamente fechada e impermeabilizada pela resina começou a encher. Disseram-me, amigos, que só após a quinta bilha começou a revelar a sua forma. A dita manta não era mais do que um balão; o hélio, o gás que as bilhas continham, fazia este pairar no ar forma decidida, na verdade Adelaide teve que colocar duas fortes amarras para não ver o balão feito com retalhos da sua vida escapar-se. O balão construído por Adelaide faria corar o Barão ZEPPLING, pois as suas dimensões fariam o balão construído pelo Prusso parecer ser minorca. (ora aqui está!!!, no meio de texto cheio de uma terrível, inexcedível, inacreditável quase inverosímil carga emocional, em que as mais choronas, sim falo daquelas e daqueles que se comportam como elas, já deverão estar com as lágrimas a escorrerem por aquela face cheia de creme contra as rugas de expressão provocadas por este obelisco, e ainda se tem tempo para falar de duas culturas desaparecidas, enriquecendo a cultura das tristes choronas, nomeadamente a dos Prussos quando se fez a referencia a Zeppling e a dos Minorcas quando se fez referencia a minorcas – este livro de facto é um fausto de cultura – ena mais duas grandes referencias – Fausto a obra e Fausto poeta cantor – ena se continuar assim, no que diz respeito a referencias culturais, este entre parêntesis vai-se tornar… é melhor não dizer mais nada nunca se sabe ao que as referencias culturais nos poderão levar, ao que levou já eu sei – falta de pachorra a quem lê, mas antes de terminar deixem-me que lhe digam que quase esquecia de referir-me a Zeppling a banda, oiçam o primeiro e segundo álbum, para os mais novos Cd´s e vão descobrir algo maravilhoso porque diferente da maior parte das xaropadas que hoje se ouve por aí – este aparte é um manifesto sinal de envelhecimento do autor desta coisa.)
Recapitulando (desta feita sem um parêntesis tão longo): O balão construído por Adelaide faria corar, porque envergonhado, o Barão ZEPPLING, pois as suas dimensões fariam o balão construído pelo Prusso parecer ser minorca, porque era, pelo menos, dez vezes maior, para já não falar da beleza da nave construída pela heroína deste pequeno relato da vida real (será mesmo heroína???) ser mil vezes mais apaixonante porque belo. Adelaide não se havia limitado a cozer os bocadinhos de tecido, ela havia criado uma obra de arte, de facto as cores estavam tão bem conjugadas que uma princesa perí (uma espécie de fada, mas da cultura Persa, que tem sempre calçadas umas sandálias de prata e na mão transporta um pires de ouro) pensou que aquela aeronave era obra de um génio, obviamente que não me refiro a alguém que tem uma inteligência superior, mas antes a alguém que tem poderes extraordinários, pois era tão belo que parecia encantado fazendo parte integrante de um qualquer conto de fadas. Para além das diferenças já relatadas havia uma mais, esta bastante peculiar, o Balão de Zepelling, era conhecido por dirigível, pois tinha mecanismos que permitiam à tripulação navegar a aeronave para onde desejavam, o balão de Adelaide não possuía qualquer mecanismo que permitisse o seu controle navigacional, por isso, seria um indirigível, pois seriam os ventos que determinariam qual a direcção e velocidade, e por fim o seu destino.
Uma vez no ar e devidamente seguro ao solo com auxílio de umas grossas cordas, que havia produzido com as finas linhas que trazia da fábrica, Adelaide por fim amarrou uma cesta lindíssima ao balão. A cesta tinha a forma de um anjo, sim tinha uma forma igual à dos anjos que se colocam nas arvores de natal, sem bem que este, para que ela tivesse espaço no seu interior, tivesse um aspecto bem mais barrigudo. Não fosse o facto de estar amarrado ao balão, dizer-se-ia que com aquela barriga e asinhas tão pequenas ele nunca levantaria voo. Mas que era lindo era, e isso nem sequer é o mais importante.
Seguidamente Adelaide, após colocar dentro do anjo barrigudo algumas provisões, introduziu-se no balão e começou a cortar as amarras do balão, enquanto o fazia alguns pensamentos percorreram a sua cabeça o que levaram a que chorasse. Digo-vos com a maior honestidade, levei algum tempo para ter coragem de escrever o que vos contar, pois face ao que já leram da vida de Adelaide, é natural que tenham grande estima pela sua pessoa, eu próprio tive grandes dificuldades em acreditar em tal, mas várias fontes fidedignas me confirmaram o sucedido, pelo exposto e uma vez que a vida de um relator se deve sempre basear, doa a quem doer, pelo princípio da verdade material, eu vou mesmo, decididamente, dar-vos a conhecer os seus últimos pensamentos antes de partir. Antes de os revelar, posso-vos dizer que Adelaide deixou dentro de uma panela da cozinha uma avultada soma em dinheiro para o seu marido Ivo e seu filho Fernando nunca mais terem a necessidade de passar por necessidades, esse dinheiro não se sabe ao certo como foi obtido, existem sobre esse aspecto relatos contraditórios, sobre a sua proveniência, mas o que é certo é que estava lá dentro da panela, juntamente com um pequeno bilhete que dizia: “ O dinheiro não pode, jamais, substituir o amor de uma mãe, mas pode pagar o ordenado da empregada.” Adelaide não escrevera só aquele bilhete, dentro da caixa do bolo de aniversário que não havia tocado, deixou outra nota que dizia: “ Enquanto consegui estive sempre com vocês e garanto que por nada não vos troco, sigo apenas um sonho.”
            Mas de facto os últimos pensamentos de Adelaide, por isso a minha grande resistência em vos revelar, não foram para o seu marido e filho, antes para o autor de um bilhete que estava dentro de uma garrafa de vidro que Adelaide havia achado na praia durante as suas voltas, escrito numa língua estranha que Adelaide nunca havia conseguido decifrar. Mas Adelaide quando abriu a garrafa e retirou o bilhete, sete anos antes de partir, sentiu que havia mais alguém no mundo como ela, alguém que estava só, mesmo que rodeado de gente e de afecto. Adelaide apaixonou-se de imediato pelo signatário, fosse ele africano ou escandinavo, pois se não havia conseguido interpretar a mensagem com recurso a uma competente tradução, havia conseguido extrair todo o seu conteúdo com o coração. Por isso Adelaide criou o seu indirigível encantado, esperando que a mesma sorte que lhe havia trazido aquela mensagem, a levasse aos braços do seu amado.
Por isso as suas lágrimas não eram de tristeza antes de felicidade.
Não sei vos dizer se aquele indirigível alguma vez chegou ao seu destino, isto porque nem sequer Adelaide sabia qual ele era, o destino até poderá ter sido o estômago de um qualquer tubarão de um qualquer oceano. O único relato que tenho conhecimento, é que algures nesse qualquer Fevereiro, foi visto por algumas pessoas da aldeia onde Adelaide vivia, um anjo barrigudo a subir em direcção ao Céu. Desde esse dia é feriado lá na Aldeia…

            O prometido é devido e não foi esquecido:
Discobiografia de Adelaide:
Beatles – Revolver (nunca aceitem menos, mesmo que vos falem maravilhas do Sargent Peapers)
Roling Stones – their satanic magestic request ( para ela e para mim o melhor álbum dos Stones)
Velvet Undergound – Bananas (cada vez que se ouve descobre-se algo mais)
David Bowie – The man who sold the world
Beach Boys – Pet sounds

Jimy Hendrix – Experience