Ela levantou-se bem cedo da cama,
olhou para o espelho e disse: a próxima vez que te veja nesse estado, parto-te
todos os ossos!!!
Já não era de hoje que tinha tomado
consciência da sua idade, o que ela não tinha tomado consciência era do tempo
que ainda lhe restava, não porque soubesse a data em que a sua vida iria
acabar, mas sabia que lhe restava pouco tempo para ter a atenção dos homens.
Homens!!! Antigamente M.M. (a BB lá
do bairro) era menina bonita, sardenta, alta, esguia, simpática, inteligente e
atrevida, sabia como captar as atenções, mas ao mesmo tempo era irmã dos tempos
difíceis, e lá em casa havia mais seis bocas para alimentar.
MM não tinha roupas de marca, apenas
as que fabricava com as Neu Modas já muito usadas, mas em si pareciam roupitas confeccionadas
pela Ana Maravilhas.
MM era ávida de conhecimento e
aparentemente sofisticada, mas o tempo em que só em si pensava retirava-lhe o
discernimento para entender as pessoas. Vivia e continua a viver apenas no seu
mundo.
MM. és linda!!! Pensava ela todos os dias, mas MM tinha um
grande problema, não se considerava bonita, não se considerava especial, aliás
não se considerava de todo. Pelo que só estava bem quando lhe renovavam as suas
convicções. Quando estava com o Zé, considerava-se especial, até que conheceu o
Manuel. Depois conheceu o João que lhe fez renovar ainda mais as suas
convicções, mas nunca tanto como o Joaquim e foi acreditando nele, até ao dia
em que conheceu o Fernando, o galã mais ambicionado lá do bairro, ele seria a
pessoa certa, ele seria o seu salvador.
Fernando ao contrário de MM, não era
bonito, mas sentia-se especial, especialmente desde que havia comprado, como
ele dizia, uma Renault. De facto o Fernando era especial para todos, o bairro
todo vibrava com as vibrações do seu veículo. Mas sempre que entrava dentro da
sua viatura, Fernando sentia um intenso cheiro a terra que lhe tirava algum do
pouco discernimento que já tinha para conduzir. O cheiro a terra fresca e
molhada fazia-lhe lembrar seu Pai, e o ultimo desejo que este lhe havia feito.
Filho, nunca venda as nossas terras!!! Elas não se fabricam mais!!! Seu pai
havia herdado algumas daquelas terras, as outras foram adquiridas torrão a torrão
com as suas parcas economias. Com elas conseguiu safar a fome ao seu único
filho, e com o trabalho que a elas dedicava conseguiu apagar a memória de sua
Mulher. Cada vez que a enxada rasgava a terra, ele sussurrava entre dentes –
Cabra!!! Não te chamo puta porque és mãe do meu filho, e ainda és minha mulher
e repetia o mesmo, uma vez, outra, e outra, até terminar a jornada diária.
Adelaide, mulher de Ivo, pai de Fernando, havia fugido da Aldeia, diziam uns
que estava em Lisboa, outros diziam que andava pela França, outros diziam até
que estava morta, a verdade é que um dia Adelaide voltou da fábrica das camisas
onde trabalhava para casa e nunca mais foi vista, pelo que nada mais se sabe.
Não sabem eles lá na Aldeia, nem tão pouco os que estão na França, nem tão
pouco as almas que preenchem os céus, mas eu posso-lhes contar, toda a verdade:
Capítulo Primeiro, ponto um – Uma homenagem
a Júlio Vern(m)e – Perdoem-me o trocadilho, mas era mais forte que eu.
Adelaide mulher de Ivo e mãe de Fernando, era pessoa de bem, calada, para
quem a conhecia, ela simbolizava o exemplo máximo de monotonia – trabalho –
casa - trabalho; cuidava afincadamente de Ivo e Fernando satisfazendo até as
suas mais desnecessárias necessidades, com o passar dos anos, parecia que havia
deixado de ter vontade própria. A única coisa que Adelaide fazia fora do normal
era ir à praia que banhava sua aldeia, e conversar com Neptuno sobre todos os
assuntos que dois solitários podem falar, chegou mesmo aceitar um convite de
seu amigo para visitar o triângulo da bermudas e só não foi porque a água
gelada que lhe banhou os pés lhe lembrou que era hora de satisfazer o estômago
dos homens da casa.
Adelaide era rotineira, na Fábrica,
conseguia sempre fazer o mesmo número de camisas por dia, é verdade vinte e
três camisas, nunca alguém chegou perto daquele número, mesmo Marcela, a
brasileira, sua rival de costura na fábrica conseguiu chegar aquele resultado,
mesmo no início da sua carreira antes de ser madrasta dos filhos de seu patrão.
Adelaide nunca aceitou fazer nada mais do que aquele serviço, embora várias
vezes a gerência lhe tenha feito uma proposta para chefiar aquele sector da
fábrica.
Disseram-me que o que a fazia mesmo
feliz era após o toque de saída, era juntar os restos das camisas e botões que
sobravam e pedir à sua chefe para os levar. Uma vez Rosa, sua chefe
perguntou-lhe: “ ó Adelaide!!! Já te conheço faz sete anos, todos dias levas
restos de tecido e botões e, todos os dias me pedes para os levar, não te vou
perguntar porquê – ela sabia que não obteria qualquer resposta – mas por favor,
uma rapariga tão séria como tu não precisa de me pedir para levar, agarra e
leva!!!”. Adelaide com o seu sorriso enigmático respondeu: “Obrigado Rosa, até
amanhã se deus quiser!”.
Depois de dar de jantar à família e
de arrumar a casa, de deitar o seu filho e de se despedir de seu marido, que
cedo dormia para no dia seguinte suar as terras. Adelaide ia para a velha
adega, costurar os pequenos pedaços de tecido, e ouvir os seus discos, todos os
dias, quer fizesse frio ou calor, os únicos dias que ela não ia lá à noite, era
no Natal e nos aniversários dos seus homens. De resto quando lhe perguntavam o
que ela queria fazer, ela respondia sempre: “ Quero ir para o meu canto, cozer
os meus tecidos e ouvir os meus discos”.
O seu marido Ivo, pai de Fernando,
um dia suspeitando que aquele comportamento não era algo normal, entrou na
adega velha, e viu túneis que em tempos estariam cheios de vinho, agora a
transbordar de botões, e uma espécie de lençol gigante todos aos remendos, de
todas as cores e formas de tecidos, todos juntos e hermeticamente costurados.
Pensou “ Que estranha coisa está a minha mulher a fazer?” – sempre havia
suspeitado que Adelaide não era pessoa deste mundo, a sua beleza, aliás grande
beleza, era completamente aniquilada pelo seu modo de estar ausente, tal era o
seu estado de espírito face ao que era tido como normal, completamente alienada
deste e do outro mundo. Mas mesmo para Fernando homem que a vida havia
endurecido, Adelaide era alguém especial pois nunca ouvira alguma vez alguma
queixa de sua mulher, algumas vezes até questionava se alguma vez a ouvira a
dizer o que quer que seja.
Adelaide adorava ouvir musica,
“estranhos sons Mãe” – repetia Fernando - quando a família vinha à cidade,
Adelaide não queria comprar roupa, não queria nada para ela, com excepção dos
discos, ou melhor álbuns, Adelaide nunca gostou de singles pois para ela apenas
representavam um acto de sorte do artista nunca uma obra aturada. Quem a queria
ver feliz era vê-la a escolher os seus discos na Valentim de Carvalho, na Rua
Nova de Almada, ainda esta não tinha ardido. As senhoras que estavam no
atendimento, abismavam-se com Adelaide, pelos seus pedidos, e muito mais pelo facto
do seu aspecto, típico de alguém da aldeia, não condizer com seus gostos. Ela
pedia sempre para ouvir cinco discos que escolhia entre os demais, claro que
depois de A a Z passa-los todos a pente fino. O último que Adelaide comprou
tinha sido pedido por um intelectual que não havia gostado porque, e ele nunca
o confessou o porquê, na verdade achava-o demasiado alternativo. Mas para
Adelaide aquele disco era uma pérola para os seus sentidos. Hummmmmmm, estarão
a pensar….., que disco será? Bem, mais em frente irei partilhar um pouco da
cultura musical de Adelaide com vocês, vou fazer-vos o elenco dos discos que
ela tinha ou seja, vou mostrar-vos a sua Disco biografia. Mas agora vou
falar-vos do último disco que Adelaide comprou, antes de se subtrair à vida de
sua Aldeia, ela adquiriu “Canaxis” obra-prima de Holger Czunay e Rolf Dammers,
a maior parte de vós pensará dirá: “Quem????!!!” . De facto eu próprio tive que
muito penar para o encontrar, mas adianto-vos que Holger Czunay é um dos
fundadores dos CAN, e que nesta soberba obra – Obrigado Adelaide!!! – ele cruza
o experimental com o tradicional dá-nos a conhecer dois cantores tradicionais
do Vietname que digo-vos, deixam a sua marca em quem com atenção os escuta e
quer estar aberto ao mundo da música sem qualquer tipo de abnegações.
Mas continuando, Adelaide lá ia trabalhando, lá ia costurando, lá ia
cuidando dos seus homens.
No dia de seu aniversário, num ano que eu não vos sei com precisão
adiantar, mas algures num qualquer Fevereiro, Adelaide produziu na fábrica
apenas, cinco camisas, pelo facto ao final do dia foi chamada pela direcção.
Disse-lhe o seu patrão: “ Adelaide, Adelaide, quando mais precisamos de si,
quando finalmente recebemos uma grande encomenda do estrangeiro, você
compromete toda a produção. Adelaide não podemos permitir algo assim, você é o
mau exemplo desta fábrica, você representa o que não queremos que aconteça por
aqui, pelo exposto vamos ter que prescindir dos seus serviços.” Adelaide não
respondeu, manteve-se tão indiferente ao que lhe disse o patrão, como havia
estado no dia anterior face aos grandes elogios, pois ontem ela representava a
excelência da produção, pois era a empregada que mais camisas produzia naquela
fábrica, mas isso era ontem. O seu patrão perguntou-lhe então: “
- Adelaide, não merece que eu faça este reparo, pois o seu comportamento
não tem perdão. Mas sente-se doente? Aconteceu-lhe alguma coisa? Não tem nada a
dizer a seu favor?”
Adelaide respondeu tão baixinho que quase parecia uma resposta dada
telepaticamente:
- Sr. Ferreira? Posso levar os restos dos tecidos?”
Ferreira, seu patrão disse-lhe então:
- Você não tem mesmo perdão, nem lugar nesta fábrica, pensei que ira
propor-se a fazer horas extraordinárias para nos compensar da grande perca, mas
nada, apenas quer mais uns restos, Leve os seus restos e desapareça!!!”
Adelaide levou os restos das cinco camisas que havia produzido e saiu,
impável e serena como nos outros dias anteriores, mas com uma grande diferença,
naquele dia andava bem mais depressa, depressa demais diria até, para quem não
tinha em casa os seus homens, pois haviam partido na véspera e só voltavam no
domingo, eles haviam aproveitado a semana do Carnaval para se deslocarem às
feiras para Ivo vender os seus produtos.
Adelaide saiu da fábrica, suas Colegas apercebendo-se do sucedido,
esperavam por si, algumas choravam, outras fingiam que o faziam, algumas já
haviam telefonado para a amiga que tinha uma filha em idade de se empregar, mas
a pergunta de todas era a mesma:
-Adelaide o que vais fazer agora???? O que vai ser da tua vida????
Adelaide face às perguntas, juram-me que isto é verdade, chupou o dedo
indicador da mão direita, levantou-o em direcção ao céu e sorriu. De seguida
virou suas costas e seguiu em direcção a sua casa.
Quando chegou a sua casa esperava-a na porta da entrada de sua casa um
enorme bolo de aniversário que ela havia encomendado, ela retirou o bolo da
caixa protectora e colocou-o sobre a mesa, ao lado do gira-discos, antes de
acender as velas, colocou a tocar uma faixa de um disco que adorava: “Vénus e
Furs” dos Velvet Underground and Nico, acendeu as velas, deixou a musica
acabar, e apagou-as num só sopro.
Voltou a colocar o bolo dentro da caixa e esta no frigorífico. Sim, o
bolo ao que me contaram estava intacto, o único sinal que tinha que havia sido
utilizado era o facto de ter as velas, já ardidas, colocadas nele.
Seguidamente Adelaide vestiu uma samarra de pele grossa, colocou um
chapéu também em pele mas com abas, semelhante aqueles que os Sovietes usam no
Inverno, e deslocou-se para a Adega.
Na porta da Adega ao olhar para umas quantas bilhas de gás compridas
proferiu a seguinte frase:
-Não faltaram ao prometido!!!”.
De pronto entrou dentro da Adega e começou a costurar os restos de tecido
que havia trazido da fábrica, passado pouco tempo disse em voz alta:
- Afinal bastavam-me ter costurado somente três camisas, se eu
soubesse!!! – Mas bem, levo comigo estes restos nunca se sabe se podem fazer
falta!!!”
Passados poucos minutos colocou o artefacto, que tantas noites de
descanso lhe roubaram a sua produção, num carrinho de mão e trouxe-o para fora
da adega. Uma vez cá fora olhou para o céu que começava a revelar mais uma fria
e estrelada noite de Fevereiro, e pensou: “ Falta pouco”. Adelaide retirou o
artefacto do carrinho e esticou-o no seu quintal, que já na antevéspera havia
sido despejado de todos os objectos que pudessem complicar a sua tarefa. Depois
retirou da adega umas latas de resina celulosa de secagem ultra rápida e com
uma trincha começou a espalhar este sobre a construção de retalhos que,
morosamente, havia elaborado. Enquanto espalhava a resina olhava para os restos
de tecidos costurados, e cada um deles fazia-lhe lembrar uma determinada data
ou acontecimento, pois eles para ela traziam-lhe memórias, pois eram de
colecções diferentes, de anos diferentes, era como que uma rocha estruturada em
camadas, em que cada camada representa um período da história do nosso mundo,
mas neste caso cada bocado era um pouco de si que ali estava. De facto o
artefacto que havia fabricado não era mais do que a representação exacta da sua
vida, uma enorme manta de retalhos.
Após aplicar e deixar secar a resina, Adelaide foi novamente à adega,
desta feita, também com a preciosa ajuda do carrinho de mão de seu marido,
carregou uma enorme cesta em verga que prontamente atou à sua construção. De
seguida ainda com ajuda do carrinho, que nesta altura se mostrou o seu maior
aliado, Adelaide, deslocou as bilhas para junto da sua construção. Seguidamente
colocou uma mangueira no bocal de uma das bilhas, e a outra extremidade da
mangueira dentro de um orifício que estava preparado para o efeito na sua
“manta”. Abriu a torneira da bilha e deixou o gás fluir para dentro dela, esta
em resultado de estar hermeticamente fechada e impermeabilizada pela resina
começou a encher. Disseram-me, amigos, que só após a quinta bilha começou a
revelar a sua forma. A dita manta não era mais do que um balão; o hélio, o gás
que as bilhas continham, fazia este pairar no ar forma decidida, na verdade
Adelaide teve que colocar duas fortes amarras para não ver o balão feito com
retalhos da sua vida escapar-se. O balão construído por Adelaide faria corar o
Barão ZEPPLING, pois as suas dimensões fariam o balão construído pelo Prusso
parecer ser minorca. (ora aqui está!!!, no meio de texto cheio de uma terrível,
inexcedível, inacreditável quase inverosímil carga emocional, em que as mais
choronas, sim falo daquelas e daqueles que se comportam como elas, já deverão
estar com as lágrimas a escorrerem por aquela face cheia de creme contra as
rugas de expressão provocadas por este obelisco, e ainda se tem tempo para
falar de duas culturas desaparecidas, enriquecendo a cultura das tristes
choronas, nomeadamente a dos Prussos quando se fez a referencia a Zeppling e a
dos Minorcas quando se fez referencia a minorcas – este livro de facto é um
fausto de cultura – ena mais duas grandes referencias – Fausto a obra e Fausto
poeta cantor – ena se continuar assim, no que diz respeito a referencias
culturais, este entre parêntesis vai-se tornar… é melhor não dizer mais nada
nunca se sabe ao que as referencias culturais nos poderão levar, ao que levou
já eu sei – falta de pachorra a quem lê, mas antes de terminar deixem-me que
lhe digam que quase esquecia de referir-me a Zeppling a banda, oiçam o primeiro
e segundo álbum, para os mais novos Cd´s e vão descobrir algo maravilhoso
porque diferente da maior parte das xaropadas que hoje se ouve por aí – este
aparte é um manifesto sinal de envelhecimento do autor desta coisa.)
Recapitulando (desta feita sem um parêntesis tão longo): O balão
construído por Adelaide faria corar, porque envergonhado, o Barão ZEPPLING,
pois as suas dimensões fariam o balão construído pelo Prusso parecer ser
minorca, porque era, pelo menos, dez vezes maior, para já não falar da beleza
da nave construída pela heroína deste pequeno relato da vida real (será mesmo
heroína???) ser mil vezes mais apaixonante porque belo. Adelaide não se havia
limitado a cozer os bocadinhos de tecido, ela havia criado uma obra de arte, de
facto as cores estavam tão bem conjugadas que uma princesa perí (uma espécie de
fada, mas da cultura Persa, que tem sempre calçadas umas sandálias de prata e
na mão transporta um pires de ouro) pensou que aquela aeronave era obra de um
génio, obviamente que não me refiro a alguém que tem uma inteligência superior,
mas antes a alguém que tem poderes extraordinários, pois era tão belo que
parecia encantado fazendo parte integrante de um qualquer conto de fadas. Para
além das diferenças já relatadas havia uma mais, esta bastante peculiar, o
Balão de Zepelling, era conhecido por dirigível, pois tinha mecanismos que
permitiam à tripulação navegar a aeronave para onde desejavam, o balão de
Adelaide não possuía qualquer mecanismo que permitisse o seu controle navigacional,
por isso, seria um indirigível, pois seriam os ventos que determinariam qual a
direcção e velocidade, e por fim o seu destino.
Uma vez no ar e devidamente seguro ao solo com auxílio de umas grossas
cordas, que havia produzido com as finas linhas que trazia da fábrica, Adelaide
por fim amarrou uma cesta lindíssima ao balão. A cesta tinha a forma de um
anjo, sim tinha uma forma igual à dos anjos que se colocam nas arvores de
natal, sem bem que este, para que ela tivesse espaço no seu interior, tivesse
um aspecto bem mais barrigudo. Não fosse o facto de estar amarrado ao balão,
dizer-se-ia que com aquela barriga e asinhas tão pequenas ele nunca levantaria
voo. Mas que era lindo era, e isso nem sequer é o mais importante.
Seguidamente Adelaide, após colocar dentro do anjo barrigudo algumas
provisões, introduziu-se no balão e começou a cortar as amarras do balão,
enquanto o fazia alguns pensamentos percorreram a sua cabeça o que levaram a
que chorasse. Digo-vos com a maior honestidade, levei algum tempo para ter
coragem de escrever o que vos contar, pois face ao que já leram da vida de
Adelaide, é natural que tenham grande estima pela sua pessoa, eu próprio tive
grandes dificuldades em acreditar em tal, mas várias fontes fidedignas me
confirmaram o sucedido, pelo exposto e uma vez que a vida de um relator se deve
sempre basear, doa a quem doer, pelo princípio da verdade material, eu vou
mesmo, decididamente, dar-vos a conhecer os seus últimos pensamentos antes de
partir. Antes de os revelar, posso-vos dizer que Adelaide deixou dentro de uma
panela da cozinha uma avultada soma em dinheiro para o seu marido Ivo e seu
filho Fernando nunca mais terem a necessidade de passar por necessidades, esse
dinheiro não se sabe ao certo como foi obtido, existem sobre esse aspecto
relatos contraditórios, sobre a sua proveniência, mas o que é certo é que
estava lá dentro da panela, juntamente com um pequeno bilhete que dizia: “ O
dinheiro não pode, jamais, substituir o amor de uma mãe, mas pode pagar o
ordenado da empregada.” Adelaide não escrevera só aquele bilhete, dentro da
caixa do bolo de aniversário que não havia tocado, deixou outra nota que dizia:
“ Enquanto consegui estive sempre com vocês e garanto que por nada não vos
troco, sigo apenas um sonho.”
Mas de facto os últimos pensamentos
de Adelaide, por isso a minha grande resistência em vos revelar, não foram para
o seu marido e filho, antes para o autor de um bilhete que estava dentro de uma
garrafa de vidro que Adelaide havia achado na praia durante as suas voltas, escrito
numa língua estranha que Adelaide nunca havia conseguido decifrar. Mas Adelaide
quando abriu a garrafa e retirou o bilhete, sete anos antes de partir, sentiu
que havia mais alguém no mundo como ela, alguém que estava só, mesmo que
rodeado de gente e de afecto. Adelaide apaixonou-se de imediato pelo
signatário, fosse ele africano ou escandinavo, pois se não havia conseguido
interpretar a mensagem com recurso a uma competente tradução, havia conseguido
extrair todo o seu conteúdo com o coração. Por isso Adelaide criou o seu
indirigível encantado, esperando que a mesma sorte que lhe havia trazido aquela
mensagem, a levasse aos braços do seu amado.
Por isso as suas lágrimas não eram de tristeza antes de felicidade.
Não sei vos dizer se aquele indirigível alguma vez chegou ao seu destino,
isto porque nem sequer Adelaide sabia qual ele era, o destino até poderá ter
sido o estômago de um qualquer tubarão de um qualquer oceano. O único relato
que tenho conhecimento, é que algures nesse qualquer Fevereiro, foi visto por
algumas pessoas da aldeia onde Adelaide vivia, um anjo barrigudo a subir em
direcção ao Céu. Desde esse dia é feriado lá na Aldeia…
O
prometido é devido e não foi esquecido:
Discobiografia
de Adelaide:
Beatles
– Revolver (nunca aceitem menos, mesmo
que vos falem maravilhas do Sargent Peapers)
Roling
Stones – their satanic magestic request ( para ela e para mim o melhor álbum dos Stones)
Velvet
Undergound – Bananas (cada vez
que se ouve descobre-se algo mais)
David Bowie – The man who sold the world
Beach Boys – Pet sounds
Jimy Hendrix – Experience